Uma das maiores bandas do Punk Rock nacional, os Garotos Podres, estiveram em Porto Alegre no último domingo (22). A apresentação aconteceu no Bar Opinião, com a também lendária Cólera. O evento foi uma realização da Pisca Produtora em parceria com a Opinião Produtora. Os dois grupos fizeram shows completos, repletos de clássicos que atravessam gerações e permanecem atuais, mesmo após décadas de seus lançamentos.
Após um show excelente do Cólera, os Garotos Podres sobem ao palco do Opinião por volta das 20:55. E já começam com o clássico “Garoto Podre”, dando o tom da noite. Não é preciso dizer que o público já é tomado pelos espíritos do Punk Rock e da revolta, e canta com a banda praticamente a música inteira. O guitarrista Deedy pergunta “Tudo bem?”, essa é a deixa para a explosão caótica em forma de música, “Oi, Tudo Bem?”, pedrada que abre o álbum “Canções para Ninar”, de 1993. Ela é seguida por “Vomitaram no Trem”, teve sua letra repaginada, muito apropriada diga-se de passagem, para ganhar o trecho “vomitaram no Bozo”.
Mao, vocalista e líder do grupo desde a sua fundação é uma figura impar. Além de sua voz e carisma marcantes, é extremamente inteligente. Não somente pelo fato de ser professor de história. Nós podemos observar sua perspicácia em sua letras extremamente irônicas e/ou sarcásticas. A próxima da noite, “Nasci pra ser Selvagem”, versão de “Born To Be Wild”, é a prova disso. Lançada em 2003 mas que poderia ser trilha sonora do períodos das motociatas que aconteceram no Brasil em tempos muito recentes.
O cantor avisa que a próxima, “Johnny”, é uma das primeiras músicas da banda a ser censuradas pelo extinto Departamento de Censura da Polícia Federal. Ela conta a história de um punk inglês que prefere receber pena de morte do que ser enviado para o Brasil. E logo na sequência vem o hino “Rock de Subúrbio”. A canção que reflete o sentimento de gerações de jovens pobres do terceiro mundo que buscam na arte a forma de expressar sua revolta. Mais uma vez o público do Bar Opinião vai a loucura e berra o refrão com toda sua força.
“Subúrbio Operário” mantém o tom de revolta no ar. E percebemos que os anos passam mas as letras dos Garotos Podres funcionam tão bem hoje, como em 1988. O trecho “Sem esperança de uma vida melhor, pois os parasitas sugam o seu suor” poderia ter sido escrito ontem. Pois é a realidade da massa que trabalha 8h48 por dia, sete dias por semana, para receber um salário que mal paga pelo básico para sobreviver e ter cada vez menos direitos.
A banda então presta homenagem a Luís Cília, compositor e poeta português, fundamental para a luta portuguesa contra a ditadura no país, tocando a forte “Avante Camarada”. As homenagens seguem com a versão Ska de “Antifa Hooligans” dos Los Fastidios, o hino da classe operária “A Internacional” e “Grandôla, Vila Morena”, outra música que ajudou na queda da ditadura portuguesa. Essa última com destaque para o baixo de Ueslei Tolentino.
Na sequência vem “Aos Fuzilados da C.S.N.”, ska que traz em sua letra a homenagem aos três mortos no Massacre de Volta Redonda, ocorrido durante a greve de trabalhadores da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em 1988. Ela é seguida por “O Mundo Não Pára de Girar!”, que traz uma pegada mais leve e faz a festa da plateia.
“Mucha policía, poca diversión”, clássico da banda Basca, Eskorbuto, também ganha espaço no set list dos Garotos Podres. O Show segue com “Um Grito em Meio a Multidão”, e “Repressão Policial (Instrumento do Capital)” lançadas quando os Garotos Podres agiam disfarçados de “O Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos”. E Mao aproveita as partes instrumentais para bebericar um pouco de cerveja oferecida por um dos fãs da primeira fila.
Então para a próxima música, o clássico “Anarquia Oi!” a banda convida o produtor Edu “Pisca” para assumir o baixo. E Pisca manda muito bem, com direito a solo no fim da canção. Mao agradece e reafirma a amizade de anos entre a banda e o produtor. Deedy aproveita para contar a história de quando a banda esteve em Porto Alegre, em 2022, e foram beber após o show, resultando em uma “expulsão do recinto”. É a deixa para “Expulsos do Bar”, lançada em 1997 no disco “Com a Corda Toda”.
Por mais que o público não queira, o show está chegando ao fim. Mas não sem chegar a vez daquela música, talvez a mais conhecida na carreira da banda. Para ela, Mao veste uma barba branca falsa e um gorro vermelho. Acho que já deu para perceber qual é a obra em questão, né?! É lógico que estou falando do hino “Papai Noel Filho da Puta”, cantada na íntegra por todos os presentes no Bar Opinião. E para fechar a noite vem “Vou Fazer Cocô”.
Os Garotos Podres são tão necessários hoje, quanto eram nos primórdios do movimento punk nacional. Suas letras politizadas refletem as angustias da classe trabalhadora do país. Sempre tão desvalorizada, mas de extrema importância para o funcionamento do Brasil. Mao (voz) é uma lenda, e é muito bom ver que o cantor assumiu de vez o controle da marca “Garotos Podres”. Nada mais justo após imbróglio de 2012, que causou a ruptura da formação e a briga pelo nome. Fato que fez Mao se apresentar como “O Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos” entre 2013 e 2016, retornando como “Garotos Podres” em seguida.
E o cantor está muito bem acompanhado pelos excelentes músicos Ueslei (baixo), Tony Karpa (bateria) e Deedy (guitarra). A cozinha da banda é muito coesa, seguram a onda com perfeição. Já o guitarrista faz um show a parte, tanto tocando seu instrumento com a qualidade que cada música pede, quanto na interação com o público e com o próprio cantor. Sem dúvidas uma formação que faz jus ao nome Garotos Podres.
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