Nesta terça-feira (12), os Titãs fizeram o primeiro de dois shows consecutivos no palco do Auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre. A apresentação histórica, que conta com sete dos oito membros da formação clássica da banda (com exceção do guitarrista Marcelo Fromer, falecido em 2001), faz parte da turnê “Encontro – Pra Dizer Adeus”, e foi produzida pela 30e, Bonus Track e Trovoa Comunicação.
Eram por volta das 21h20 quando o grupo sobe ao palco da casa, que estava completamente lotada. “Diversão” é a escolhida para abrir os trabalhos, e como é bom ouvir ao vivo, na voz de Paulo Miklos novamente. Uma das dúvidas que me surgiam sobre esses shows de reunião, seria sobre a dinâmica dos cantores principais de cada faixa, já que a banda pode considerar que tinha cinco vocalistas principais. Dependendo da canção, poderia ser Nando Reis, Sérgio Britto, Branco Mello, Arnaldo Antunes, ou o próprio Paulo Miklos. Não sabia se o repertório seria dividido em blocos, ou se haveria um revezamento mais fluído. Mas, conforme o show avançava, as alternâncias de vocalistas se mostraram a escolha mais acertada e mais orgânica.
Arnaldo Antunes, um dos maiores artistas da música brasileira contemporânea, assume a voz principal para a rockeira “Lugar Nenhum”. O público que lotava o Araújo Vianna, era composto por fãs de todas as idades, em sua maioria por uma mescla de jovens adultos e pessoas na faixa dos cinquenta anos. E neste primeiro momento, apesar da banda ter já iniciado o show com toda a potência, a plateia parecia um pouco morna. Talvez ainda tentando assimilar o momento, esperado por tantos anos. Com o passar do tempo, os presentes entrariam no clima que a noite propunha.
Na próxima música, “Desordem”, Sérgio Britto deixa os teclados para assumir o microfone. Na sequência, Branco Mello, informa que vem se recuperando de um câncer na garganta, que quase o deixou sem voz. O cantor, um exemplo de perseverança, ainda que esteja com sua voz bem rouca, superou as expectativas e mandou muito bem em “Tô Cansado”. Neste momento, a emoção toma conta do público. Todos os presentes estavam muito felizes e passando toda a energia positiva para o músico. No meu caso, é ainda mais especial, porque mesmo com toda a genialidade de todos os integrantes do Titãs e a difícil tarefa de escolher o preferido, no meu caso sempre foi Branco. Talvez seja por sua presença de palco, talvez por sua voz e por sua atitude Rock N Roll. E fico extremamente feliz em vê-lo ali, com saúde para fazer o que mais gosta, ainda mais acompanhando de sua velha gangue.
Para manter o clima do fantástico álbum “Cabeça Dinossauro”, Nando Reis assume o vocal principal para cantar a paulada “Igreja”. E então podemos ver Arnaldo Antunes interagindo, dançado e fazendo os backing vocals para a música. Já que a lenda conta que Arnaldo se retirava do palco na execução dessa faixa, nos primeiros anos de sua inclusão nos shows.
Ainda no clima desse disco lendário, Sérgio volta ao microfone principal para “Homem Primata”, em que ele começa à capela e chama a plateia para cantar junto. Lembra que eu falei que os expectadores pareciam mornos no começo do show? Pois bem, aqui a coisa muda. Todos atendem ao pedido e começam a cantar juntos. Ao final, o músico agradece e segue com o microfone para emendar na pesada “Será que é isso o que eu necessito?”, nos brindando com um dos carros chefes do álbum “Titanomaquia”, de 1993.
Então Paulo Miklos reassume a voz principal para “Estado Violência”, mais um clássico que ganha vida com uma execução fantástica da banda. E o clima dos anos 1980 volta com tudo com o teclado sintetizado marcando o tom e o tempo para Arnaldo Antunes, na parte de trás do palco, começar a cantar o hino “O Pulso”.
Visualmente, o espetáculo “Titãs Encontro – Pra Dizer Adeus”, é muito bonito. A bateria fica um pouco mais a frente, com espaço no fundo para os músicos transitarem em frente ao enorme telão que, hora traz imagens que combinam com as músicas, hora traz a gravação simultânea dos músicos no palco. A iluminação complementa a apresentação com jogos de luzes potentes, variando as cores e intensidade de acordo com que cada faixa pede. De um lado da bateria existe um praticável para os backings vocals e um para o teclado. Do outro lado, outro praticável (assim como no fundo do palco) para os backings vocals. Com o jogo de luzes, às vezes vemos somente as silhuetas do músicos em movimento, enquanto, na maioria das vezes, Tony Bellotto (guitarra), Nando Reis (baixo) e Liminha (que é o segundo guitarrista da tour), ficam na parte da frente do palco. Isso dá um aspecto visual muito rico, pois em qualquer parte que se olhe, existe movimento, existe alguém cantando, tocando ou dançando.
Aproveito a deixa para falar de outro grande acerto dessa tour. Liminha, músico e produtor renomado, baixista dos Mutantes e responsável pela produção do álbuns clássicos dos Titãs (e também de grandes bandas do Rock Nacional), foi a melhor escolha para assumir o posto do saudoso Marcelo Fromer. Embora o excelente Beto Lee, venha assumindo a vaga nos últimos anos, por se tratar de uma reunião histórica, por justiça, Liminha é o nome mais indicado para essa tour.
Voltando ao show, Arnaldo segue no microfone para mais um hit, “Comida”. Após, passa a vez para Nando cantar a emblemática música que dá título ao álbum de 1987 “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”. E Nando segue para a pedrada “Nome aos bois”, que tem sua letra atualizada para incluir genocidas mais recentes da nossa história. Isso agrada a maioria, e pouquíssimos se ofendem (será que eles entendem o que fazem ali?).
Na seguinte, Branco Mello assume os vocais para resgatar “Eu não sei fazer música”, uma pérola do disco auto produzido “Tudo ao Mesmo Tempo Agora”, de 1991. O cantor ainda fica para a próxima, o clássico “Cabeça Dinossauro”. O público, em êxtase, aplaude de pé! Charles Gavin, deixa a bateria, vem para a frente do palco, pega o microfone e agradece o carinho de todos. A banda de despede, o palco fica escuro e o telão central, assim como os dois laterais, passam a exibir imagens de arquivo, de entrevistas e momentos da banda na década de 1980 e 1990.
O público não aceita o fim do show, por minutos a fio, bate palmas e chama pelos Titãs. No palco, vemos a movimentação de equipe, preparando o cenário, com quase meio círculo, bem ao centro, formado por cadeiras.
A banda volta, ovacionada, desta vez, para um set acústico. Todos sentadinhos, com violões, incluindo Nando Reis, que passa a função de baixista para Branco. A primeira neste formado é mais um clássico, “Epitáfio”, cantada sempre de forma magistral por Sérgio Britto, acompanhando em uníssono por todos os presentes no Araújo Vianna. Para a próxima, Nando assume a voz principal e canta a belíssima “Cegos no Castelo”. Neste momento eu percebi duas coisas, a primeira é que, se minha visão não me traiu, Charles Gavin voltou usando uma camisa do Clube Esportivo Aimoré, de São Leopoldo. A segunda é que, curiosamente, Arnaldo Antunes não está presente no palco, com os demais. Sua cadeira, e mais uma ao seu lado, estão vazias.
“Pra Dizer Adeus” dá sequência ao show, com Paulo Miklos em mais uma interpretação intocável. Eis então que Arnaldo aparece, acompanhado de Alice Fromer, filha de Marcelo. Arnaldo a apresenta e avisa que ela cantará uma composição de seu pai, “Toda cor”, presente lá no primeiro álbum da banda, o autointitulado de 1984. A moça cantou com muita alegria. Logo percebemos a emoção, em cima do palco e também na plateia. É uma linda forma de ter Marcelo Fromer, em memória, ali com todos. Alice ainda fica mais uma, a simbólica “Não vou me adaptar”, e se despede com uma chuva de aplausos.
Após o set acústico, a banda se prepara para o retorno das guitarras elétricas. Tony pede a palavra para agradecer e enaltecer o suporte de Liminha, uma figura tão importante na história dos Titãs. Então Nando retorna ao centro do palco para cantar “Família”, embalando todos no ritmo da canção. Em seguida já puxa outra clássica, “Querem meu sangue (The Harder They Come)”. Com direito a Paulo Miklos tocando saxofone, como nos velhos tempos, para nosso alegria. Nando passa o microfone para Sérgio cantar “Go Back” e o desfile de hits não para.
Miklos reassume o posto para cantar mais um hino, “É preciso saber viver”, com o público completamente emocionado, deixando o músico com a expressão de gratidão no rosto. E a próxima, uma grata surpresa para este que vos relata, é “Domingo”, contagiante faixa que dá titulo ao disco de 1995. Paulo passa o vez para Branco cantar o hino “Flores”, e que faixa! Ela fica ainda mais potente ao vivo. O riff de guitarra, a projeção de Branco ao cantar no fundo do palco, em frente ao telão, mais uma belo solo de sax de Miklos, tudo conspirando perfeitamente para um momento inesquecível para os fãs.
O Rock N Roll abre espaço para o “Synth-pop?!” da música “O quê”, em que Arnaldo dá um show a parte. Seus passos de dança esquisitos e contagiantes, a forma de cantar, unidos a batida e ao jogo de luzes, são hipnotizantes. Não existe a possibilidade de assistir isso tudo parado. E o cantor, com seus movimentos, meio que te autoriza a dançar do jeito que quiser. Isso é libertador!
O cantor segue no comando para mais duas, “Televisão” e, trazendo o rock de volta, “Porrada”. Para manter a intensidade, Sérgio assume para a gigantesca “Polícia”. A música que, ao lado de outras, marca o grito de toda uma geração. Que momento mágico! O tecladista segue nos vocais principais para “AA UU”, e com certeza, é dono, se não do melhor, de um dos melhores drives do Rock Nacional. Isso é outro ponto notável. A “sorte” dos Titãs em ter tantos músicos talentosos. Sérgio, assim como Miklos, é capaz de marcar em nossas memórias com seus registros vocais, tanto em baladas lindas, quanto em Rocks pesados e rasgados.
Falando em Miklos, é ele quem brilha na próxima, mais um clássico aguardado por todos, “Bichos Escrotos”. Essa é daquelas que se o cantor quiser, deixa só o público cantar, tamanha é a vontade e empolgação dos fãs. Sem falar no show a parte que Nando dá ao debulhar seu baixo. Neste clima, a banda se despede mais uma vez. Só que ninguém no local estava pronto para o fim da noite. O auditório Araújo Vianna inteiro bate palmas e chama pela banda novamente! Ninguém pensa em ir embora. E por poucos minutos, mas que pareciam uma eternidade, a escuridão no palco nos deixa aflitos. Mas o gritos “Titãs! Titãs! Titãs” não param.
Então, aquela introdução sintetizada com as rimas de Mauro e Quitéria começa a soar nas caixas de som. E a banda volta com Sérgio e Paulo dividindo os vocais, para cantar mais um clássico, “Miséria”, direto do álbum “Õ Blésq Blom” de 1989. Eles passam a vez para Nando, que começa outro hino, “Marvin (Patches)”. Mais uma vez a emoção toma conta de todos. Essa versão é tão emblemática, com uma letra que retrata tão bem o sofrimento do brasileiro pobre do interior. É o tipo de música que deveria ser tombada como patrimônio histórico.
A gente não quer aceitar, mais a noite está chegando ao fim. Paulo avisa que, para encerrar, nada mais justo que voltar ao começo de tudo. É a deixa para “Sonífera Ilha”, responsável pelo começo do sucesso dos Titãs, e agora, responsável por fechar a noite. E o clima está lá em cima. O público canta junto, dança, se emociona. No palco, os músicos fazem os mesmos passinhos que nós vemos nos vídeos antigos da banda se apresentando no Programa do Chacrinha. E assim acaba, como deve ser, uma verdadeira celebração.
Para quem é fã, é um momento histórico! A química dos músicos, juntos no palco mais uma vez, passa para a plateia. Ver Paulo Miklos, Arnaldo Antunes, Charles Gavin, Nando Reis, reunidos com Branco Mello, Sérgio Britto e Tony Bellotto, e de quebra, acompanhados por Liminha, em pleno 2023, chega a ser surreal.
Tudo que amamos na história do Titãs, estava lá! O pop rock, o Rock N Roll pesado, sujo e rápido, as baladas, os Reggaes, a new wave com teclados carregados de sintetizadores. Os vocais rasgados, os vocais doces, as vozes agudas, as vozes graves, os vocais falados, os riffs de guitarra, as maravilhosas linhas de baixo, as batidas de bateria incomparáveis, as lindas melodias de teclados, os solos certeiros de guitarra e sax, as danças, os backings vocals. Tudo estava ali, acontecendo na nossa frente!
É como assistir uma reunião de família. Onde, por mais que tenham rolado brigas, a química que acontece quando se reúnem, ultrapassa a barreira do que podemos explicar. Claro, com Marcelo Fromer, deveria ser ainda maior. Mas acho que ele estava ali, dando a sua benção, feliz por ver seus velhos parceiros unidos novamente.
Sem dúvidas, quem presenciou os shows da tour de reunião, não esquecerá a magia que é ver esses caras juntos no palco. E em Porto Alegre não foi diferente. Foi uma noite histórica!
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Mary Up Fotos