No último domingo (22), as bandas Cólera e Garotos Podres se apresentaram no Bar Opinião, em Porto Alegre (RS). O evento, realizado pela Pisca Produtora e Opinião Produtora, reuniu os dois grupos paulistas, seminais do Punk Rock nacional, para uma noite inesquecível. Com repertórios repletos de clássicos que atravessam gerações e permanecem atuais, mesmo após décadas de seus lançamentos.
A primeira banda a subir ao palco do Opinião foi o Cólera, que iniciou seu show por volta das 19:15. Aqui devemos destacar que o voo que trazia Cólera e Garotos Podres para Porto Alegre estava previsto para chegar ainda pela manhã, mas precisou voltar após problemas. E somente no fim da tarde os dois grupos conseguiram chegar em terras gaúchas. Ou seja, os integrantes do Cólera saíram do aeroporto praticamente direto para o palco. Sem tempo de descansar ou até mesmo montar sua banca de merchandising antes do horário previsto para começarem seu show.
Mas essa correria não afetou em nada a performance dessa banda clássica, que precisou se reinventar após o falecimento do saudoso Redson Pozzi, em 2011. O “novo” vocalista, Wendel Barros, já está no comando dos microfones do grupo há mais de uma década, acompanhado pelos veteranos Val Pinheiro (baixo), Pierre Pozzi (bateria), e pelo guitarrista Fábio Belucci (na banda desde 2014), entregaram um set poderoso. A apocalíptica “Duas Ogivas” é a primeira, seguida por “Alternar”. Essa música pode ser considerada uma síntese dos jovens punks do início dos anos 1980, que precisavam usar vestimentas “aceitas” por uma sociedade arcaica e despreparada para lidar com o visual punk. Velhos preconceitos que ainda vemos em muitas áreas profissionais, onde a aparência segue acima de competência.
Já de cara, a energia da banda contagia o público presente. Mas convenhamos, deveria ser maior para receber essas duas lendas, que juntas somam mais de oitenta anos de serviços prestados ao Punk Rock. O importante é que os presentes estavam felizes com a apresentação e a banda estava impecável!
A noite segue com “Minha Mente!” e a instigante “Por que ela não?”. Então Wendel agradece o carinho e se apresenta para quem ainda não o conhece. Destaca que está em tour com o Cólera desde 2008, ainda como roadie e neste período já esteve pelo estado, rodando com a banda por diversos locais. Isso serve de introdução para a próxima música, “São Paulo”, e na sequência vem “C.D.M.P (Cidade dos Meus Pesadelos)” e “Repetição Constante”. Essa última, presente no mais recente trabalho da banda, o EP “Está na Hora de Mudar!”, lançado em junho.
Então é hora de mais um clássico. “Somos Vivos”, do álbum formador de caráter, “Pela Paz Em Todo Mundo”, de 1986. A plateia canta junto, com punhos erguidos e vozes raivosas. No fim da música, aplaude e reverencia a banda, como gratidão por fazer parte desse momento.
“Somos Cromossomos” e “Palpebrite” mantém o ritmo acelerado e abrem espaço para o hino “Humanidade”. Neste ponto do show o êxtase toma conta do Bar Opinião. O riff cortante e o refrão marcante fazem o público enlouquecer. A música acaba, mas a plateia segue cantando, como se não quisesse que ela acabasse. Pierre, brincando, avisa que vão tocar mais uma música nova, feita naquela semana mesmo. Essa nova é mais um hino, “Medo”, entoada a plenos pulmões pelos presentes. Não dá tempo da poeira baixar, pois a próxima é “Funcionários”. Mais uma lançada a quase quarenta anos, mas soa tão atual como na sua época de origem. Mas o público segue cantando o refrão mesmo após o fim da música. Isso demonstra o quanto essas canções marcaram e são significantes para os presentes. Fato que só comprova o poder e a importância da mensagem proferida pelo Cólera em toda a sua carreira.
A próxima, “Deixe a Terra em Paz!”, lançada em 2004 no disco de mesmo nome, reafirma a qualidade do texto desta lendária banda. Poderia ter sido composta em 2020, 2022 ou ontem, é atemporal. Ela antecede a belíssima “Águia Filhote”, dedicada à todas as crianças e a memória de Redson. Aqui percebemos que não é só velocidade ou distorção, a mensagem pode ser passada em vários formatos, sem perder seu valor.
Neste ponto do show começa um desfile de clássicos. “Quanto Vale a Liberdade?”, “Dia e noite, noite e dia”, “Pela Paz em Todo Mundo”, “Adolescente” e a derradeira “Histeria”, presente na histórica coletânea “SUB”, de 1983. A banda encerra sua apresentação em grande estilo com a mensagem “Destrói o fascismo”.
Dá gosto de ver Pierre e Val no palco, os caras com décadas de estrada tocando como se fossem garotos, com a mesma vontade que deveriam ter em 1981. Parece que todos os perrengues de ser uma banda independente num país que tanto desvaloriza a cultura, somem de suas mentes quando estão fazendo o que mais gostam, música. Falando em vontade, Fábio Belucci ataca cada riff com a fome de quem faz isso pela última vez. Certeiro, agressivo e com sangue nos olhos, como um guitarrista de punk deve ser. E Wendel é a pessoa certa para estar ali, como frontman do Cólera. Carismática e sem parar um instante no palco, pula, gesticula, encara a plateia e coloca toda a sua emoção nas canções.
Eu não tive a oportunidade de ver o saudoso Redson em ação, ao vivo. Mas eu vi um Cólera forte, que mantém vivo o espírito original do Punk Rock, sem ficar preso ao saudosismo e com muito lenha para queimar. Contestandoo status quo, protestando com garra, mas com foco no pacifismo, inclusão social e preservação ambiental.
Diante desse show que acabei de presenciar, só me resta saudar: Vida longa ao Cólera!
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