No último sábado (27), Porto Alegre recebeu um dos últimos shows da tour “As V Estações”, dos integrantes remanescentes da Legião Urbana, o guitarrista Dado Villa-Lobos e o baterista Marcelo Bonfá. O espetáculo aconteceu no auditório Araújo Vianna, completamente lotado, com produção da Opinião Produtora.
De volta a estrada desde 2015, os músicos da formação clássica da Legião Urbana, são acompanhados pelo ator e cantor André Frateschi (vocal e bateria), Pedro Augusto (teclados), Lucas Vasconcellos (guitarra e violão) e Mauro Berman (direção musical, baixo e teclados). A tour atual dá ênfase nas canções dos álbuns “As Quatro Estações” de (1989) e “V” de 1991.
Com previsão de início para as 21h, o show de fato começa por volta das 21h40, e logo que os músicos aparecem no palco, o Araújo Vianna vem abaixo. A primeira música é “Há Tempos” e, é quase inexplicável tentar elucidar sobre o que aconteceu. A energia do local se transformou de uma forma, com todos cantando em uníssono, que a impressão é que todos foram transportados para outra dimensão. Essa vibe segue com banda e público vibrando na mesma frequência nas duas próximas, “Meninos e Meninas” e “Sereníssima”.
Esse começo já dá o tom da noite especial que teríamos pela frente. Um show repleto de hinos, clássicos absolutos que foram lançados há mais de 30 anos e são tão atuais hoje, como à época. “Eu Sei” e “Quase Sem Querer”, são músicas mais calmas, diminuem a batida, mas não a intensidade, pois a plateia canta junto, sílaba por sílaba.
A noite segue com “Eu Era Um Lobisomem Juvenil” e aqui podemos destacar um grande acerto de Dado e Bonfá, a aquisição de André Frateschi, que acompanha a banda há quase dez anos. André é um grande cantor, segura muito bem a pressão de estar no lugar de um ser insubstituível, Renato Russo. Com todo respeito ao legado do vocalista, compositor e maior poeta que já viveu (na minha opinião), André acerta em não querer copiar Renato, mas busca colocar sua própria interpretação nessas canções.
Por ser ator também, sua performance acrescenta em muito no espetáculo. Sem descaracterizar esses hinos intocáveis, mas dando vida, ao unir a poesia da letra com atos teatrais que combinam perfeitamente com o que é cantado, sem exageros.
“Sete Cidades” e “O Mundo Anda Tão Complicado” dão sequência ao show, trazendo um clima mais leve para noite. Aquelas músicas que todos os jovens do fim dos anos 1980 e dos anos 1990 devem ter cantado em alguma roda de violão, talvez em uma praia, em volta da fogueira, ou talvez em uma praça, com alguns amigos e uma garrafa de vinho.
Para a próxima, “Teatro do Vampiros”, mais um clássico do álbum “V”, que também fez muito sucesso na versão do acústico MTV, quem assume os vocais é Marcelo Bonfá, que canta e toca bateria, muito bem, sem deixar a peteca cair. “…Voltamos a viver, como a dez anos atrás, e a cada hora que passa envelhecemos dez semanas…” fala conosco hoje, como falava com o brasileiro de 1991, infelizmente.
André assume os vocais novamente para a belíssima e melancólica “Vento no Litoral”, passando mais uma vez para Bonfá, que canta “Por Enquanto”. Desta vez, Marcelo deixa a bateria para interpretar a canção na frente do palco acompanhado apenas por Pedro Augusto e Mauro Berman . A música é executada com arranjo original, em cima da batida do teclado, igual ao primeiro disco “Legião Urbana”, de 1985. Dado, André e Lucas Vasconcellos retornam para a música incidental “Heroes”, que encaixa perfeitamente no set.
A próxima é nada mais, nada menos que “Tempo Perdido”, um dos maiores hinos já registrados na história desse país. Essa, eu confesso, não tenho como analisar de forma “profissional”, pois é a música que deu sentido, que bateu diferente de tudo, em minha vida, desde que eu tinha dez anos e meio. Ver Dado e Bonfá executando esse clássico com tanto significado pessoal, no Araújo Vianna lotado, com todos os presentes cantando juntos, foi demais para este que vos escreve. Não foi possível conter as lágrimas. Com certeza, um dos momentos mais mágicos que já vivi.
Já é a vez de Dado Villa-Lobos assumir os vocais principais para “Índios”, mais clássico do disco “Dois”, de 1986. Dado também não deixa nada a desejar, cantando com muito emoção e transmitindo a mensagem com muita força. No fim, ainda coube uma dancinha de Dado e Mauro, e como é bom ver Dado solto e feliz no palco. Dá para ver que essa formação está muito bem entrosada, tocando com muito prazer.
André volta a assumir o vocal principal para o primeira hit da banda, “Será”, que levanta o astral ainda mais, com o público todo cantando a plenos pulmões toda a letra.
A banda sai do palco, que fica todo escuro, para André e Lucas Vasconcellos retornarem cada um vindo de um lado, como se preparados para um duelo. É assim que o violonista começa a introdução de “Faroeste Caboclo”. Quando eu destaquei que a performance de palco engrandecia a letra da canção, esse é exemplo. Você assiste os músicos em movimento no palco e entende o que está acontecendo como um ato de uma peça. O cantor dá um show de interpretação. Além da banda completa, que volta detonando assim que as partes mais pesadas acontecem. Ainda dá tempo de encaixar um trechinho da “Killing in The Name”, do Rage Against the Machine, no fim da faixa.
A animação segue com “1965 (Duas Tribos)”, mais um hit do álbum “As Quatro Estações”. Para em seguida voltar ao disco de estreia com a densa “Soldados”. André muda um trecho para “…somos soldados, VENDENDO JÓIAS…“, ótima sacada, para bom entendedor né.
Marcelo Bonfá volta para frente do palco para cantar “Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar”, com André assumindo a bateria. A inversão de papéis deu um charme extra ao show, com os dois músicos mandando muito bem.
André e Bonfá voltam aos seus postos originais para a próxima “Quando o Sol Bater na Janela do Teu Quarto”. Versão intimista, com luz baixa e apoio vocal do Araújo Vianna inteiro. A próxima é mais uma daquelas que qualquer brasileiro sabe cantar, o hino “Pais e Filhos”. Não conseguimos distinguir a diferença entre as vozes dos músicos e do público, neste ponto tudo é um só.
Logo em seguida, Bonfá deixa a bateria e volta para o centro do palco, desta vez com um pandeiro meia lua, e Mauro também deixa o baixo para dividir os teclados com Pedro Augusto. É assim que começa “Monte Castelo”. Que linda versão! O telão traz imagens de quadros renascentistas que casam com a canção angelical. Um momento ímpar!
A banda se despede e as luzes se apagam! Imediatamente o fãs começam a gritar: “Uh, é Legião! Uh, é Legião!”
Logo os músicos voltam para o bis, “Metal Contra as Nuvens”, uma verdadeira epopeia progressiva, com diversas passagens e mudanças de andamento. Na minha opinião, a música que define o conceito do álbum “V”. Talvez não a mais “famosa”, mas a cara do disco. Mais perto do fim, o cantor pede para o público usar as lanternas dos celulares, como se estivéssemos em um show dos anos 1970, outro momento que ficará marcado na memória de quem estava presente. É nesse clima que a noite chega ao fim.
Óbvio que se tratando de um show dos membros clássicos e sobre o legado da Legião Urbana, muitos dirão que faltou essa, ou aquela música. Claro que faltou! Será preciso um show impossível de ser feito, tocando a discografia inteira. Pois a Legião foi muito maior que uma banda do Rock Nacional, foi A MAIOR! É uma instituição que falou direto no coração dos brasileiros. Por isso seus fãs enxergam como algo sobrenatural.
Não é demagogia. Em vinte e cinco anos assistindo shows in loco, eu nunca havia presenciado tal experiência. Todas as pessoas presentes no local cantando juntos todas as músicas. Dos músicos, ao público, passando pelos seguranças, vendedores de bebidas, pessoal da manutenção e da limpeza. Foi uma noite surreal.
Se existe algo que pode ser um ponto negativo, talvez tenha sido uma boa parte da iluminação do espetáculo, algumas vezes os jogos de luzes deixavam o palco escuro demais. Se fosse em alguns trechos seria um efeito muito legal, mas como deixa os músicos contra luz, por diversas vezes, foi um pouco exagerado.
Em compensação, a sinergia que aconteceu entre banda e público foi algo absurdo! É como se realmente estivéssemos em outra dimensão, tamanho é o poder dessas canções, especialmente quando executadas pelos músicos originais. E como é bom ver Dado e Bonfá no palco, se divertindo e acompanhados de grandes músicos.
Com certeza, foi uma noite inesquecível! E que não falte saúde para essa banda manter o ritmo e seguir fazendo tours especiais com os álbuns que ainda faltam para serem celebrados.
Urbana Legio Omnia Vincit.
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